EDITORIAIS: Região não teve rajadas de vento de 100 km/h

Apagão generalizado

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) usou o termo “excepcionalidade” da ocorrência climática para tentar justificar as centenas de árvores desabadas por São Paulo, que levaram abaixo junto quilômetros de fiação de energia elétrica, telefonia e internet. O governo municipal também se apressou em divulgar sobre o vendaval de mais de 100 km/h, mas esqueceu de esclarecer à população que o volume de chuva e as rajadas de vento não foram iguais por toda a cidade. Na verdade, segundo o próprio Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) Climáticas da Prefeitura, somente no aeroporto de Congonhas foram registrados ventos de 103,7 km/h na sexta-feira, dia 3. Na sequência aparecem as regiões de Santana/Tucuruvi com 94,1 km/h e Campo Limpo com 71,7 km/h.

Na estação meteorológica Vila Prudente do CGE foi registrada rajada de vento de 49,4 km/h às 16h30 da sexta-feira. Metade do alardeado pela Prefeitura. Outro ponto importante é que, de novo, o Centro de Emergência da própria Prefeitura alertava desde às 6h29 para a possibilidade de fortes rajadas de vento e não se teve conhecimento de uma operação especial montada pelo governo municipal para apoiar e garantir a segurança da população.

Após os estragos, a Prefeitura começou a divulgar que aumentou emergencialmente de 300 para 1.470 os agentes para corte e poda de árvores. E a pergunta que não pode calar é: por que esse número não é maior antes das tragédias? Outro absurdo foi o release de extremo mau gosto divulgado à imprensa às 13h58 da segunda-feira, dia 6, afirmando que a “cidade começava a voltar à normalidade”.  Milhares de paulistanos continuavam sem energia elétrica, a essa altura sem água também, e muitos com árvores e fiações perigosamente ainda desabadas nas portas de casas.

Filme de terror

A Enel São Paulo foi outra aberração gigante e merece ser minuciosamente investigada. Por mais que as árvores caídas tenham interrompido o fornecimento de energia elétrica para milhares de consumidores, nada justifica não ter canais de comunicação suficientes para atender os seus consumidores. Além da falta de luz, o total descaso com o atendimento deixou a população em pânico. Ninguém conseguia contato e uma previsão para o restabelecimento. Parecia filme de terror, pela penumbra e pelo sumiço dos caminhões da concessionária. Vale ressaltar que a empresa italiana atua em São Paulo desde 1998, tempo de sobra para aprender sobre o contingente que precisa ter à disposição dos consumidores. Mas, não faltam acusações de que a concessionária fez o contrário: diminuiu o número de funcionários e aumentou os lucros.

O que vimos nos dias subsequentes ao vendaval foram diversos governos e órgãos cobrando uma posição da Enel, mas, enquanto seguem as acusações, os consumidores já começaram a receber a conta de luz sem qualquer tipo de desconto. Tivesse o mínimo de consideração com os seus clientes, a Enel suspenderia temporariamente os pagamentos até a população conseguir contabilizar os prejuízos. Total ineficiência e insensibilidade.

Ruas sem energia há mais de 115 horas

Relatos de toneladas de alimentos estragando em geladeiras, assim como medicamentos que dependem de refrigeração. Peixes morrendo em aquários. Comerciantes tentando encontrar geradores ou caminhões frigoríficos para amenizar o prejuízo. Moradores com medo de árvores penduradas nas vias em meio a fiação. Milhares de pessoas sem luz e água. Dificuldades para cuidar de recém nascidos e doentes. E, o pior, todos sem um posicionamento confiável da Prefeitura e da Enel de quando o pesadelo chegaria ao fim.

Essas são algumas das muitas reclamações que a Folha recebeu desde o final da tarde da sexta-feira, dia 3. Mesmo não constando entre as regiões da cidade onde as rajadas de vento foram mais fortes (leia Editoriais), Vila Prudente e arredores foram duramente castigados pela queda de muitas árvores. Outro problema foi que mesmo nos pontos onde não houve registro de desabamento de espécies, a população enfrentou mais de 65 horas sem energia elétrica, como ocorreu em algumas ruas do Jardim Independência, onde o fornecimento só foi restabelecido às 11h30 da segunda-feira, dia 6.

O desespero atingiu moradores que viam ruas dos arredores com a energia religada, enquanto permaneciam sem informação da Enel. Na rua Serra da Piedade, na Vila Prudente, foram 118 horas de agonia à espera de uma equipe da concessionária. No final da tarde da terça-feira, dia 7, um grupo fechou a rua em protesto pela falta de luz. Com a escuridão, uma criança acabou atropelada e precisou ser socorrida. A informação é que passa bem. A Enel apareceu no final da manhã do dia seguinte e levou cerca de quatro horas para fazer o conserto.

Na região também ocorreram protestos de moradores em pelo menos mais dois endereços: nas avenidas Engenheiro Thomaz Magalhães e na avenida Dr. Francisco Mesquita, com o fechamento de trechos da avenida do Estado.

Novo apagão

Nem sempre a chegada do caminhão da Enel, representa o fim do problema. Na rua Professor Gustavo Pires de Andrade, na Vila Prudente, uma equipe esteve na rua às 15h da segunda-feira, dia 6. Mas, quando restabeleceu o serviço, um transformador explodiu deixando um quarteirão inteiro sem energia. Outra equipe só retornou ao endereço às 22h40 da terça-feira, dia 7. No dia seguinte, moradores levaram um novo susto quando a energia acabou novamente por 15 minutos.

Na tarde da quarta-feira, dia 8, por volta das 15h30, diversas vias da região voltaram a sofrer com falhas no fornecimento. Na rua Mendonça Corte Real, no Jardim Avelino, o problema persistia até a noite de ontem, com os moradores somando mais 27 horas sem energia. (Kátia Leite)

Na terça-feira, dia 7, parte de um grande Pinheiro e o poste de alta tensão continuavam pendurados na rua Coelho Neto, na Vila Prudente

 

Apagão dos semáforos e falta de agentes

Após o vendaval da sexta-feira, dia 3, outro grave problema foram os semáforos apagados em diversas ruas e avenidas. A Folha recebeu muitas reclamações da falta de apoio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para auxiliar na travessia dos principais cruzamentos da avenida Anhaia Mello, o principal corredor viário da região.

O entroncamento da Anhaia Mello com a rua Ibitirama (foto) foi um dos pontos com equipamentos inoperantes e sem a presença de agentes de campo da CET ou cones para canalizar o fluxo de veículos. Também houve queixas do perigo de travessia nos cruzamentos da Anhaia Mello com a avenida Paes de Barros e com as ruas Dianópolis e Américo Vespucci.

“CET sumiu durante esse período”, afirma Marcio Gelencsir. “Na sexta-feira, às 22h, atravessei a Paes de Barros com a Anhaia Mello sozinha e na escuridão. Pior cruzamento da região”, reclama Vera Figueiredo. “No domingo à noite passei um aperto daqueles para cruzar a Anhaia Mello, vindo da Paes de Barros. Tudo desligado e sem ninguém para auxiliar o trânsito”, conta Adriana Netto.

Questionada pela Folha, a CET respondeu que “mobilizou agentes a partir do final da tarde da sexta-feira”. Afirmou ainda que as equipes realizaram rondas pela região da avenida Anhaia Mello “para manter as condições de fluidez e segurança”. Sobre os pontos perigosos de travessia da avenida, citou apenas que “os agentes permaneceram operacionalizando o cruzamento com a rua Dianópolis durante o período necessário”. (Kátia Leite)

 

Entrevista: Boulos aborda problemas que afligem a região

Na manhã da última segunda-feira, dia 6, o deputado federal e pré-candidato à Prefeitura, Guilherme Boulos (PSOL), esteve no Círculo de Trabalhadores de Vila Prudente e concedeu entrevista à Folha. Ele esteva acompanhado da deputada federal Juliana Cardoso (PT) e da pré-candidata à vereadora Vanilda Anunciação (PT). Foram recebidos pelo presidente do Círculo e da Folha, Newton Zadra, e demais diretores da entidade.

Com a capital paulista vivendo o mais longo apagão energético da sua história e dezenas de árvores caídas pelas ruas, Boulos afirmou que “é uma vergonha que a maior cidade do Brasil, a mais rica da América Latina, fique mais de quatro dias sem energia. Não tem justificativa”. O problema ainda se estendeu por mais dois dias. “A primeira coisa é a responsabilidade da Enel, que reduziu em 36% o número de funcionários, além do fechamento dos escritórios regionais, e isso piora o atendimento. Também não fez os investimentos adequados, então cabe cobrar a ARSESP (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), que não fiscalizou a Enel. Existe ainda a responsabilidade do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que não cumpriu a meta de enterrar 65km de fios por ano. Mesmo com 35 bilhões em caixa, o prefeito também não manteve o serviço de poda de árvores em dia”, lista. “Vamos para cima de todos, precisamos saber quem vai pagar pelo prejuízo da população”.

O deputado federal defende ainda outro debate urgente sobre o ocorrido nos últimos dias. “Esse tipo de situação, de eventos climáticos extremos, será cada vez mais frequente e precisamos estar preparados. Fui relator de um projeto na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara, para criar um plano para as cidades brasileiras se adaptarem a fenômenos como esse”.
O programa de recapeamento da Prefeitura foi outro tema abordado. “Quando o prefeito finalmente resolveu tocar obra em São Paulo, está fazendo de forma mal feita e com suspeita. Refizeram vias que estavam com asfalto bom, como a Anhaia Mello, aqui na região. No meu bairro, em Campo Limpo, aconteceu a mesma coisa. As grandes avenidas ganharam recapeamento e as ruas do miolo estão com buracos fazendo aniversário. E o Tribunal de Contas do Município já emitiu um alerta de superfaturamento de quase 10% no valor do asfalto”, completa Boulos.

Sobre um dos problemas que mais aflige os paulistanos atualmente, a verticalização desenfreada, o deputado foi categórico: “o prefeito vendeu São Paulo para as grandes construtoras”. “Isso não está acontecendo somente aqui na região da Vila Prudente e da Mooca, acontece no Centro Expandido inteiro e em boa parte da cidade”, acusa. “O Fernando Haddad (PT), durante sua gestão na Prefeitura, aprovou um Plano Diretor para estimular a construção de prédios nas regiões de metrô e dos grandes corredores viários, com redução de vagas de garagem, justamente para estimular o transporte público e reduzir os congestionamentos. Mas, na recente revisão do Plano Diretor, a Prefeitura piorou a proposta, liberando mais vagas de garagem e aumentando o perímetro para construções de prédios, na maioria de alto padrão”, explica. “Ninguém é contra a construção civil, mas precisa ter planejamento. No terreno onde estavam quatro casas, com oito carros em média, estão erguendo torres de 20 andares, que vão somar mais de 80 veículos. Mas, a rua continua a mesma”, conclui. “Isso é insano. Eu tenho duas filhas e não é essa cidade que eu quero para elas”.

Habitação e saúde

Durante a visita, também foi apresentado ao deputado federal que apesar de a Vila Prudente ser uma região consolidada em termos urbanos, ainda enfrenta o desafio das favelas, incluindo a primeira de São Paulo, que seguem à espera de projetos de urbanização. Boulos denunciou que, até o momento da entrevista, a atual gestão municipal não aderiu ao programa Periferia Viva, criado pelo Governo Federal. “O governo Lula abriu um edital de R$ 4 bilhões para as prefeituras inscreverem projetos. O prefeito não inscreveu nenhum. Não vai gastar um real, é recurso federal para urbanizar e regularizar. Na semana passada, me reuni com mais de 120 lideranças de várias comunidades de São Paulo, também estive com o secretário Nacional de Periferias, e enviamos uma lista ao Ricardo Nunes, mas segue o silêncio dele”.

Também foi abordado o grave problema de saúde pública na região acarretado pelo fechamento do pronto-socorro do Hospital Estadual de Vila Alpina para o atendimento direto da população. A medida foi implantada durante a pandemia e não foi revista até o momento, sobrecarregando as unidades municipais de saúde. “Tenho me reunido com os principais especialistas em saúde, incluindo três ex-secretários municipais, para mapear os vazios assistenciais da cidade: de urgência e emergência, de atenção primária e de serviços de média e alta complexidade. Vendo esse mapa, estou convencido que a Vila Prudente precisa de uma UPA com urgência”, afirmou. “Vocês que são aqui da região sabem mais do que eu: a UPA Mooca está saturada. Foi irresponsável o que o ex-governador João Doria fez, de fechar o pronto-socorro de Vila Alpina sem dar uma alternativa à população”, afirma. “Quando um hospital geral fecha as portas do pronto-socorro é porque precisa focar nos atendimentos eletivos de maior complexidade. Até aí está correto, mas não pode fazer isso sem dar outra opção. Fechar o pronto-socorro depois que tem uma UPA do lado, estará melhorando todos os atendimentos, mas antes disso é irresponsável e queremos rever isso”, afirmou.

Sobre a necessidade de um possível relacionamento com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), caso seja eleito prefeito, Boulos afirmou que buscará todas as parcerias possíveis para a cidade.  “Quando a gente senta em uma cadeira, não representa só os seus pensamentos, as suas ideias. Quem não entendeu isso, que estava na presidência da República, se deu mal e o país também pagou o preço. Então, a atuação deve ser sempre republicana. Se eu for prefeito, vou buscar parcerias com o Governo do Estado e o Governo Federal, independente de quem esteja sentado nas respectivas cadeiras”, declarou. (Kátia Leite/André Kuchar)