Moradores acolhem vítimas e amenizam a tragédia

O desespero não atingiu apenas quem estava na inundação. Moradores de prédios do entorno assistiam atônitos pelas janelas as cenas de terror nas avenidas do Estado e Dr. Francisco Mesquita. E resolveram agir. No cruzamento com a rua Ibitirama, um dos pontos da Vila Prudente onde mais pessoas ficaram ilhadas, as vítimas eram abrigadas pela vizinhança conforme eram resgatadas pelos bombeiros de muros ou de cima de veículos. Vários carros foram abandonados às pressas (foto acima).

“Chovia muito forte e desci para olhar como estava a rua. Foi espantoso. Entre 22h e 22h15 a água veio de repente. No intervalo de 15 minutos subiu em torno de um metro e meio”, conta Henrique Dimitrov, que mora há 35 anos no condomínio Parque das Flores na rua Ibitirama, bem próximo ao cruzamento da avenida do Estado. Pouco depois encostou a viatura do Corpo de Bombeiros com um bote. “Essa equipe de bombeiros foi incansável, honrou a profissão. Os moradores do condomínio em frente (Selfie São Paulo), que têm mais visão ampla do que acontece na avenida do Estado, se sensibilizaram e começaram a descer para ajudar. Juntaram cerca de 60 pessoas com toalhas, roupas secas, água, café, alimentos. Deram chocolates para as crianças”, narra Dimitrov que também subiu no seu apartamento para buscar donativos.

“Depois o condomínio abriu o salão de festas para as vítimas ficarem abrigadas, mas como algumas pessoas estavam com muito frio, teve morador que levou ao apartamento para tomar um banho quente”, continua contando Dimitrov que também destacou a total ausência da Prefeitura. “Ninguém apareceu na hora do pânico, nem depois. Mais de três dias se passaram e a lama continua espalhada pela região, está um mau cheiro terrível com ratos e baratas por todo lado. Entendemos que choveu demais, mas falta muito respaldo do governo”, afirma.

A professora Janaina Morena, moradora do condomínio Selfie São Paulo, no número 2.200 da rua Ibitirama, foi uma das pessoas que ficaram sensibilizadas. “Tem um pessoal muito guerreiro aqui no prédio. Viraram a noite ajudando, abrigaram as pessoas da enchente e aplaudiram os bombeiros quando terminaram o resgate. Depois passaram o dia recolhendo donativos para continuar ajudando. Atitudes lindas precisam ser mostradas”, destaca. (Kátia Leite)

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Bombeiros do Posto VP resgatam dezenas de ilhados


O resultado da brutal enchente que atingiu a região só não foi mais trágico graças à heroica atuação do Corpo de Bombeiros. Uma das equipes que trabalhou incansavelmente é a do Posto Vila Prudente, que na noite do domingo, dia 10, estava composta por seis homens e uma mulher. Das 22h do domingo até às 9h da segunda-feira, eles resgataram 64 pessoas ilhadas nas proximidades da rua Ibitirama com a avenida do Estado. Entre as vítimas estavam uma mulher grávida, um idoso cadeirante de 93 anos e uma criança portadora de Síndrome de Down. Todos aguardavam pelo salvamento em cima de veículos ou sobre muros.

Na tarde da quarta-feira, dia 13, quando a equipe voltou para o plantão no posto, a reportagem conversou com alguns dos integrantes da operação e foram unânimes em afirmar que foi a enchente mais violenta que já trabalharam. “A água atingiu um nível muito alto, cobria carros e pessoas. Não era possível distinguir o que era rio e o que era pista na avenida do Estado. O que demandou muito cuidado foi a força da correnteza. Vimos vários veículos serem arrastados para dentro do rio em alta velocidade”, comentou o sargento Laércio, que é bombeiro há 12 anos.

Todos os resgates foram realizados com um bote inflável que se movimenta através de remadas. “Realizamos mais de 20 viagens com cerca de 400 metros cada. Certamente remamos mais de 10 quilômetros. Primeiro priorizamos o salvamento das crianças e, na sequência, os idosos, as mulheres e por último os homens. Ficamos muito felizes de não ter deixado ninguém para trás”, afirmou o sargento.

Além do sucesso dos resgates, o que emocionou os bombeiros foi a mobilização solidária da vizinhança. “Paramos a viatura na rua Ibitirama, no ponto sem água mais próximo do local afetado pela enchente. Foi onde montamos nossa base de operação. Assim que o resgate era realizado levávamos as pessoas para este trecho. No nosso primeiro retorno com as vítimas, moradores do entorno já nos aguardavam com toalhas, cobertores, água, café, alimentos, entre outras coisas, para acolher os afetados. Foi uma das cenas mais bonitas que já presenciei em toda minha carreira”, destacou o sargento.

Na manhã de segunda-feira, após o término da operação, os bombeiros deixaram o local sob muitos aplausos da vizinhança.  A heroica equipe estava formada pelo sargento Laércio, sargento Said, cabo Petrica, cabo Francisco, Cabo Zanni, soldado Cardoso e soldado Viviane. (Gerson Rodrigues)

Sargento Laércio, cabo Francisco, soldado Viviane e cabo Patrícia participaram das ações de salvamento. (Agência Folha)
Mais de 500 famílias afetadas na Favela de Vila Prudente


Pânico, tristeza e indignação são os sentimentos dos moradores da Favela de Vila Prudente nos últimos dias. Segundo líderes da comunidade, a enchente do último domingo, dia 10, foi uma das mais violentas da história e afetou mais da metade das moradias. A estimativa é que cerca de 500 famílias tenham sido afetadas.

Quando a água baixou na manhã de segunda-feira, o cenário era desolador. A lama permaneceu nas habitações e logo se formaram montanhas de móveis misturados com utensílios domésticos danificados (foto acima). “Moro há mais de 40 anos nesta comunidade e nunca vi nada igual. A força da água era muito forte. Não deu tempo dos moradores salvarem seus pertences. O prejuízo é incalculável para estas pessoas que já são tão carentes”, declarou Ivanildo Gonçalves, que permaneceu duas noites sem dormir prestando solidariedade aos vizinhos. “Teve alguns moradores que perderam praticamente tudo, inclusive documentos. Eu e muitos outros ficamos duas noites acordados para tentar organizar o caos que se formou. Fiquei muito impressionado com a quantidade de bens perdidos. Havia televisores, fogões geladeiras, camas, colchões, alimentos que viraram lixo e entulho”, relatou.

O eletricista Jair de Oliveira, que reside na comunidade há mais de 30 anos, relata que desta vez a água chegou em pontos que nunca foram afetados. “Foi impressionante. A água tomou muitas moradias e as pessoas tiveram que fugir da forma que conseguiam para não morrerem. Foi chocante ver mães com crianças no colo, idosos, mulheres grávidas em meio à inundação”, contou. “Depois que a enchente acalmou e a água começou a baixar o cenário era de guerra. Muitas coisas destruídas e lama por toda parte”, completou.

Empresas solidárias
Na Favela de Vila Prudente, outro ponto muito afetado, a tristeza e o caos foram amenizados graças à solidariedade de empresários, igrejas, entidades sociais e moradores da região, que voluntariamente passaram a organizar e fazer doações às famílias afetadas.

Procurada por líderes comunitários da favela, a panificadora Cepam agiu prontamente e mandou uma perua carregada de alimentos para a comunidade no início da manhã da segunda-feira, quando o cenário ainda era desolador. No dia seguinte proporcionou o café da manhã para as famílias.

A Paróquia São José do Ipiranga e a igreja evangélica Semeando em Vidas, do Jardim Avelino, colaboraram com doações de marmitex, itens de limpeza e higiene, água e lanches. Todas as doações foram concentradas na sede do Vera Cruz Futebol Clube, que fica na comunidade, e na sede da Sociedade Amigos da Favela de Vila Prudente. (Gerrson Rodrigues)

Comunidade permanecia alagada na manhã da segunda-feira. Estimativa é que cerca de 500 famílias tenham sido afetadas. (Ale Vianna)
Forte chuva no ABC e transbordo do piscinão


De acordo com a medição do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura, entre às 19h do domingo até 7h da segunda-feira choveu na Capital paulista o correspondente a 32,6% do volume esperado para todo o mês de março. A Vila Prudente foi a segunda região da cidade com o maior volume de chuva: 103,3 mm³, perdendo apenas para o Jabaquara com 109,5 mm³. Porém, a Prefeitura avaliou que as áreas das subprefeituras de Vila Prudente e do Ipiranga foram as mais atingidas pelos alagamentos, porque enfrentaram transbordamentos do rio Tamanduateí e córregos, além do Piscinão Guamiranga.

Na avaliação do governo municipal, os temporais com índices históricos nos municípios vizinhos de Santo André e São Caetano tiveram impacto direto no caos na Vila Prudente e na área empresarial da Mooca. O rio Tamanduateí, que corta o ABC, transbordou violentamente colocando as subprefeituras de Vila Prudente, Ipiranga, Mooca e Sé em estado de alerta das 22h do domingo até as 5h da segunda-feira. No entanto, trechos das avenidas Anhaia Mello, do Estado e Dr. Francisco Mesquita (foto acima) continuavam alagados na manhã da segunda-feira.

A Subprefeitura de Vila Prudente (SUB-VP) afirmou que a situação ocorrida “foi absolutamente imprevisível e extraordinária e não havia qualquer ação preventiva que pudesse corrigir o que aconteceu”. Além da avenida do Estado e da avenida Dr. Francisco Mesquita, houve alagamentos intransitáveis na rua Guamiranga e em diversos pontos da avenida Anhaia Mello onde também ocorreu o transbordamento do córrego da Mooca.

De acordo com a SUB-VP, a região recebeu a colaboração de diversas subprefeituras para amenizar os transtornos, em especial da Subprefeitura Sapopemba, que nos forneceu uma equipe de limpeza de boca de lobo, e da Subprefeitura Ermelino Matarazzo que cedeu uma equipe de hidrojato, para sucção da água e limpeza das galerias. A Subprefeitura Mooca não emitiu notas sobre o ocorrido.

Piscinão transbordou na noite do domingo

Inaugurado em fevereiro de 2017 pelo Governo do Estado entre a rua Guamiranga e a avenida Dr. Francisco Mesquita, na Vila Prudente, o Piscinão Guamiranga é o maior da cidade de São Paulo. Foi projetado para acumular 850 milhões de litros de águas das chuvas – o equivalente a mais de 390 mil piscinas olímpicas. Mas, tamanha capacidade não foi suficiente na noite do último domingo, dia 10. O reservatório transbordou às 21h30.

O Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), responsável pela construção e manutenção do piscinão, afirmou que as chuvas acima da média neste mês de março levaram ao trasbordo. Foi ressaltado que “sem o reservatório, a região teria sofrido impactos ainda maiores, principalmente nas avenidas do Estado e Dr. Francisco Mesquita”.

Em resposta ao questionamento da Folha, foi informado que a limpeza do reservatório é realizada, no mínimo, uma vez ao ano e que a manutenção pode ser feita mais vezes, conforme a necessidade. Não foi esclarecido se houve mudança nessa metodologia em razão da sequência de fortes chuvas desta temporada.

Fevereiro foi o mais chuvoso dos últimos 24 anos em São Paulo e nos 11 primeiros dias de março, a cidade recebeu 90,6% do volume de chuva esperado para todo o mês. (Kátia Leite)

Imediações do Piscinão Guamiranga na Vila Prudente. (Ale Vianna)

 

 

 

Temporal, inundação histórica e pânico na Vila Prudente

Sob intensa chuva desde as 19h do domingo, dia 10, Vila Prudente e Mooca entraram em estado de alerta às 22h. A medida é decretada pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura quando acontece o transbordamento de córregos ou rios. Na Vila Prudente houve a vazão do rio Tamanduateí ao longo das avenidas do Estado e Dr. Francisco Mesquita e do córrego da Mooca na avenida Anhaia Mello. O Piscinão Guamiranga também não suportou o volume das águas e transbordou às 21h30, agravando ainda mais a situação. As horas seguintes foram muito tensas. A região continuou em estado de alerta até as 5h, mas os alagamentos persistiram.  

No final da rua Ibitirama com a avenida do Estado, 64 pessoas foram resgatadas dos tetos de veículos e muros por bombeiros em uma ação heroica usando bote. Moradores dos andares mais altos de prédios residenciais fizeram vídeos de carros sendo arrastados pela correnteza. Não dava para diferenciar a avenida do rio Tamanduateí (foto acima).

A violência das águas deixou um rastro de destruição e prejuízos ao longo da margem do rio Tamanduateí. A enchente também atingiu várias ruas que desembocam nas avenidas do Estado e Dr. Francisco Mesquita. Moradores de casas na Vila Califórnia, Vila Alpina, Vila Bela, Quinta das Paineiras, Jardim Ibitirama, entre outros bairros do distrito de Vila Prudente, viveram momentos de agonia com a inundação em seus imóveis.  Mesmo quem reside em prédios teve problemas. Moradores de condomínios na esquina das ruas Baia Grande e das Lobélias contaram que a água entrou em garagens e inundou veículos.

Outro ponto muito crítico foi a rua Guamiranga, justamente onde fica parte do piscinão. Cerca de mil pessoas permaneceram abrigadas até as 8h da manhã seguinte no Central Plaza Shopping porque não havia como deixar o empreendimento, que fica na Dr. Francisco Mesquita e também tem saída pela rua Guamiranga. Mesma situação enfrentada por usuários das estações Tamanduateí de metrô e trem. Passageiros de um ônibus ficaram ilhados por horas. “Estava lotado. Tinha uma mulher grávida, crianças e a água continuava subindo, inclusive dentro do ônibus. Não havia espaço para todos sentarem e muita gente ficou exausta. Ninguém conseguiu nos resgatar. Somente quando a enchente diminuiu, saímos a pé, pois o veículo não conseguia transitar”, contou João Lima.

As águas começarem a baixar depois de mais de oito horas seguidas de inundação, não foi o fim dos problemas para os moradores de imóveis atingidos. “Na minha casa, um sobrado, perdemos todos os móveis que estavam no piso debaixo, inclusive mantimentos porque a geladeira tombou e ficou boiando. Nos fundos, mora a minha tia em uma casa térrea. Também teve que jogar praticamente tudo fora. Os móveis ficaram horas no alagamento, não tinha como recuperar. Mesmo com a comporta, minha sala acumulou mais de um metro de água. Do outro lado da avenida teve casa que chegou a quase dois metros”, conta Luiz Orosco, morador do número 357 da avenida Dr. Francisco Mesquita há 30 anos. “Ainda fiquei com dois veículos cobertos pela água. Um Sandero e uma perua Kombi, que é o meu sustento porque presto serviço de transporte para uma rede de hipermercado. Além do prejuízo em casa, estou sem conseguir trabalhar”, completa Orosco. “Ninguém da Prefeitura apareceu para saber se sobrevivemos ao alagamento. Até agora não vieram lavar a rua. Estamos inalando a poeira do lamaçal. É revoltante. Pago o IPTU do meu imóvel e não recebemos uma ajuda”, desabafou na quarta-feira, dia 13, mais de 48 horas depois do fim do alagamento.

Na Vila Prudente e  na Mooca, dezenas de empresas nas avenidas Henry Ford e Presidente Wilson e ruas Cadiriri e Pacheco Chaves também foram inundadas e tiveram prejuízos na casa dos milhões. Muitos empresários estão desesperados porque perderam desde matéria prima até maquinários, além de equipamentos de informática dos departamentos administrativos.

Três mortes na avenida do Estado

Quando as águas escoaram, a tragédia ficou ainda mais evidente: três corpos foram encontrados na avenida do Estado, na divisa da Vila Prudente com o município de São Caetano do Sul. Todos são de homens jovens e apresentavam características de afogamento, segundo a equipe do 1º Distrito Policial de São Caetano, onde foram lavradas as ocorrências.

Duas das vítimas fatais estavam na altura da rua Ibitirama. O outro corpo foi localizado na esquina do viaduto que dá acesso à avenida Guido Aliberti, dando um triste desfecho a uma história dramática. Durante a madrugada, o homem permaneceu horas agarrado a uma placa de sinalização de trânsito para não ser levado pela correnteza. Temendo que ele perdesse a força, moradores ainda jogaram uma mangueira para ele tentar se amarrar, enquanto ligavam para o Corpo de Bombeiros. Mas o socorro não chegou a tempo.

Até o fechamento desta matéria, os policiais civis aguardavam os laudos da perícia para saber as identidades e as idades das vítimas. (Kátia Leite)

Cenário de caos na manhã seguinte:

 

Equipes do Corpo de Bombeiros ainda faziam resgates na manhã da segunda-feira. (Ale Vianna)

 

Tráfego interrompido na avenida Anhaia Mello provocou enormes congestionamentos na região. (Ale Vianna)

 

Ônibus que ficaram ilhados foram recolhidos entre 8h50 e 11h30 da segunda-feira. Vários apresentavam problemas na parte elétrica e motor (Ale Vianna)