Há exatos 33 anos, o jornalista ítalo-brasileiro Mino Carta escrevia célebre livro de crônicas cujo título empresta seu nome a este artigo. Mais um que busca mostrar um pouco do sentimento de ser mooquense. Lá ele discorre sobre gente anônima, homens e mulheres que são os verdadeiros protagonistas que fizeram o bairro da Mooca ser tão querido e enaltecido em verso e prosa. Protagonistas de uma história que não pára nunca de ser escrita e pouco a pouco, conhecida, mesmo com os deslizes típicos de quem conta a história por determinado viés ou ponto de vista. Ali, são lembrados o “barbeiro da Rua da Mooca”, “Fortunata e seu molho à bolonhesa com pimentão”, saudosos bailes em que figuras como “Tak Gianni” emprestavam suas vozes de sopranos e tenores, “para o deslumbramento dos oriundi”, e a orquestra sabia dar o tom de bolero e Fox-trote esperados.
A Mooca, como todos sabem, já nasceu meio pronta, pois antes mesmo de ser reconhecida como um distrito à parte do Brás, outro de nossos bairros que carece de uma atenção especial em relação a sua trajetória na vida de tantos brasileiros e estrangeiros, já era uma rota de passagem que índios e jesuítas utilizavam para chegar ou ir à Serra do Mar. Mito ou lenda, o fato é que este mês, a Mooca completa 459 anos de uma vida cheia de acontecimentos e passagens que influenciaram a cidade inteira, os rumos da economia paulista e até mesmo o Brasil todo. Está lá, registrado nos mais variados artigos e publicações o surgimento das primeiras indústrias, ainda no século 19, a primeira manifestação operária de repercussão nacional, em 1917, o primeiro teatro distrital da cidade, o Arthur Azevedo, de 1952, recém-reaberto, depois de cerca de quatro anos sem atividade alguma, e que promete, na fala dos interlocutores do momento, ser um dos palcos mais badalados da cidade.
E chegamos a um momento único de lembrar que se hoje a Mooca caminha para um modelo de cidade que esgota toda sua capacidade de acolher seus habitantes com qualidade, até porque cada centímetro quadrado vem sendo ocupado e tomado de forma vertiginosa, por outro, ressurge junto com os gritos das ruas a vontade de resgatar valores esquecidos, ou melhor, adormecidos em nossas mentes e corações. Valores de como se faz para ser um bom cidadão, preocupado em melhorar as coisas a sua volta, de redescobrir um bairro tranquilo, histórico, atrativo e acolhedor. Um bairro mais do que querido. E que é o verdadeiro patrimônio natural e cultural de cada mooquense. Não à toa, o dia 17 de agosto, data oficial em que se comemora o aniversário do bairro, ser também o Dia Nacional do Patrimônio Histórico, data celebrada desde 1998 e que marca o então centenário do advogado, escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade, primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). Uma coincidência significativa que merece reflexão.
* Elizabeth Florido é jornalista e moradora da Mooca.