Chegou novamente o Natal e mais uma vez, temos a ocasião para refletir sobre o significado desta festa do Cristianismo. Junto com a Páscoa, o Natal celebra o mistério central da fé cristã: que Deus se fez homem, se tornou próximo de nós, se deu a conhecer de uma forma que o pudéssemos compreender. Assumiu a nossa carne, se “en-carnou”, nasceu no nosso espaço, no nosso mundo, entrou no nosso tempo e depois dele saiu, levando consigo a nossa carne redimida e ficando conosco pelo seu espírito eterno. Natal e Páscoa conformam um todo único, o evento da encarnação de Deus. Não é por acaso que em alguns países de fala hispânica o Natal é chamado de “Páscoa do Natal”. De fato, aquele que nasce numa manjedoura, envolto em pequenas faixas, é o mesmo que morre na cruz, também envolto em pequenas faixas. A encarnação é um todo bem integrado e harmonioso: nasceu como deveria morrer, morreu como havia nascido. E, assim como nasce cercado de pobres pastores, mal visto pelos fiéis judeus porque o tipo de ocupação não lhes permitia seguir todos os ritos religiosos, da mesma forma morre cercado de ladrões pecadores, um dos quais experimenta num último momento de abertura de coração a misericórdia de um Deus que vai até o extremo da cruz para recuperar o que se havia perdido.
A Igreja celebra estas duas festas que configuram o único evento da encarnação sob o signo da luz. Ambas as festas são celebradas como vigílias, como passagem das trevas para a luz. Na missa do Natal, antes chamada de “missa do galo”, escutamos a palavra do profeta que diz: “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1). Na Bíblia, as trevas são sempre signo do pecado, do estar envolvido nas sombras, do estar perdido, desorientado, desnorteado, na cegueira. De fato, o nosso mundo é em certo sentido uma “terra de sombras”, está sempre marcado pelo reinado do pecado e de suas consequências, o sofrimento e a morte. Deus entra nesse mundo e assume as consequências do pecado. Desde o primeiro momento é rejeitado, nasce sem conforto, não encontra lugar entre os “melhores” da sociedade: “veio para o que era seu, mas os seus não o acolheram” (Jo 1,11). Depois será perseguido, por sua causa muitos inocentes serão mortos, e finalmente, ele mesmo será morto como um criminoso, ele que não conhecera o pecado: “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos justiça de Deus” (2Cor 5,21). Sofreu as consequências do pecado em sua própria carne e assim matou o pecado em sua raiz. Por isso era tão importante que assumisse essa carne, pois só assim poderia matar o pecado que nela se instalara. Bem-aventurada aquela mulher que ofereceu essa carne para que nela entrasse o eterno que a cobriu com a “sombra do seu Espírito” (cf. Lc 1,35).
A “Páscoa do Natal” celebra a vitória da luz de Deus sobre as trevas dos homens, a mesma luz que brilhou na estrela de Belém e que resplandeceu com a abertura da pedra que cobria o túmulo de Jesus. O nosso mundo e a nossa história são mesmo o cenário de uma contínua batalha entre o “reino das trevas” e o “reino da luz”. Cada um destes reinos tem o seu próprio chefe e as suas armas próprias. O reino da luz vence o reino das trevas e o seu chefe, o “príncipe deste mundo” (cf. Jo 12,31), com as armas do amor e da paz, tendo à sua frente o “príncipe da paz” (cf. Is 9,5). Essa é a força que Deus opõe aos maus, a misericórdia e o amor, que perdoa até quem o persegue e o mata: a ternura da criança, que de braços abertos acolhe toda a humanidade, é a mesma do homem das dores que na cruz perdoa aos que o matam sem saber o que fazem. Com razão diz o Salmo: “O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos, de crianças que a mãe amamenta… Eis a força que opondes aos maus, reduzindo o inimigo ao silêncio” (Sl 8,3). Deus vence as armas da violência e da maldade com a força da fraqueza, da ternura, do amor e da paz.
Celebremos com alegria a festa do Natal. Façamos a nossa ceia em família e compartilhemos os nossos presentes. Encantemo-nos com as belas árvores de Natal e suas múltiplas e diversificadas luzes. Mas, não esqueçamos que o grande presente é o menino Jesus, Deus-conosco, que nos acolhe de braços abertos. Não esqueçamos que sua luz é aquela que nos ilumina e nos indica os caminhos que nos levam às muitas grutas escondidas e às muitas manjedouras onde Jesus continua nascendo pobre e humilde, solicitando a nossa abertura e solidariedade.
* Padre Walterson José Vargas (ss.cc) é pároco da Paróquia Santo Emídio, na Vila Prudente.