Documentos divulgados pelo ex-funcionário da inteligência americana Edward Snowden indicam que o governo dos Estados Unidos realizou operações de vigilância em massa no mundo todo – incluindo países aliados e potenciais inimigos. Da presidente Dilma Roussef à chanceler Angela Merkel, da Petrobras ao Papa Francisco, ninguém escapou dos tentáculos da espionagem deste Big Brother da vida real, com métodos que nivelam Obama a Osama, rebaixando o até então festejado líder global ao patamar do terrorista número 1 do mundo, inimigo da liberdade e da democracia.
O Brasil ainda engatinha nesses avanços tecnológicos, que servem tanto para o bem quanto para o mal. A reboque dos acontecimentos, o governo brasileiro finge indignação para implementar o marco regulatório da internet. Pura canastrice. Afinal, está no DNA petista o desejo de regular tudo – Estado, mercado, mídia, sociedade – e submeter-nos todos aos interesses do partido. Como nunca antes na história deste país…
A verdade é que todo mundo tem um pouquinho de inveja de Edward Snowden, Glenn Greenwald, Julian Assange & cia. Nós, jornalistas, queríamos ser um deles. E os políticos, ter um a serviço. Do Deep Throat do Watergate aos escândalos tupiniquins (mensalão do Lula, pasta rosa, aloprados, anões do orçamento, impeachment do Collor, compra de votos para a reeleição de FHC, Rosegate, assassinato dos prefeitos do PT etc.), passando por todas as operações com nomes insólitos da Polícia Federal, CPIs encerradas e enterradas, fraudes em licitações e todo tipo de denúncias e suspeitas, há sempre um grampo ou um dossiê na história.
Mal comparando, é quase como a polêmica das biografias não-autorizadas. Todo mundo gosta, desde que não fale de si próprio. A Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) é o SNI que deu certo. No lugar dos nossos arapongas atrapalhados com bloco de anotações, gravador e máquina Polaroid, um bando de nerds bisbilhota a sua vida e a minha sem sair da frente do tablet. São os biógrafos não-autorizados, verdadeiros black blocs da intimidade alheia.
“O que você faz quando ninguém te vê fazendo, ou o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?”, brinca o rock do Capital Inicial. É o hino do mundo moderno. O GPS do carro ou a antena do celular localizam cada um de nós no mapa mundi. Sem carro ou celular, não use o bilhete único, porque a central de transporte saberá em que ônibus você está. A empresa do vale refeição tem a sua rotina diária de almoço, café e jantar. O cartão do banco conhece suas preferências, gosto pessoal e extravagâncias.
Saia na rua bem alinhado, porque as câmeras de segurança das casas, do comércio e do controle de tráfego vão te flagrar em todos os ângulos. Sorria 24 horas por dia, porque você estará sendo filmado. E, se cometer alguma ilegalidade, vá em 10 minutos ao Youtube ou no telejornal em horário nobre para rever as imagens.
Facebook, Google, Microsoft, Yahoo, e-mail, Whatsapp, telefone, Twitter: não há senha, criptografia ou mal de Alzheimer capaz de fazer esquecer algum detalhe da sua rotina. Tudo estará devidamente arquivado na memória coletiva. Na nuvem, a virtual, que aproxima o céu do inferno de maneira impressionante. E me veio à lembrança a presidente Dilma dizendo que “vale fazer o diabo para ganhar a eleição”. Só por Deus!
Já estou até prevendo que no dia 5 de outubro de 2014, quando eu for procurar o título de eleitor na bagunça do meu quarto, vou receber um torpedo ou uma chamada no Skype da Dilma Bolada, a paródia estatizada, com aqueles trejeitos estereotipados: “Já olhou na terceira gaveta, no canto esquerdo, meu querido?”.
* Maurício Rudner Huertas, 42, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS.