Em uma avaliação da greve de 1917, o historiador italiano Luigi Biondi levanta o debate sobre o surgimento do movimento: espontaneísmo dos operários ou organização? De acordo com ele, “os anos de enfraquecimento, quase de aniquilação, das organizações classistas em São Paulo que precederam a greve levam a considerar que o movimento de 1917 surgiu espontaneamente”. Mas, na mesma análise, Biondi destaca que “por outro lado, é correto afirmar que os processos de organização sindical já estavam encaminhados havia algum tempo quando explodiram as greves de junho na Crespi e na Antarctica, prólogo dos eventos de julho: a declaração de greve na Crespi, por exemplo, foi decidida depois de uma reunião na Liga Operária da Mooca e por ela foi coordenada”.
Conforme registros históricos, em maio de 1917 foram fundadas as ligas operárias da Mooca e do Belenzinho, após anos de quase ausência de organizações operárias. Várias mulheres do Cotonifício Crespi se afiliaram no mesmo mês na Liga da Mooca.
Outro ponto importante defendido por historiados era a nova configuração étnica da mão de obra paulistana, composta em sua maioria por estrangeiros. No Cotonifício Crespi, por exemplo, cerca de 75% dos operários eram imigrantes italianos, segundo dados do Atlas Histórico da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
E esses imigrantes traziam novas ideologias ao país, como o anarquismo e socialismo. É importante lembrar ainda que em fevereiro do mesmo ano, ocorreu a Revolução Russa também iniciada por mulheres que trabalhavam na indústria têxtil e paralisaram as atividades em protesto contra a escassez de alimentos no país e logo ganharam a adesão de outros trabalhadores, a exemplo do que ocorreu no Brasil.
A jornalista, moradora e estudiosa da história da Mooca, Elizabeth Florido, acredita que foi um período em que as pessoas se organizaram em busca de melhoria da qualidade de vida. “O que foi, num primeiro momento, um levante das tecelãs na fábrica dos Crespi, para diminuir a dura jornada de trabalho, que incluía colocar as crianças para trabalhar também, tornou-se um movimento de jornalistas, pensadores e intelectuais da época para o que ficou conhecido como ‘consciência de classe’”, ressalta. “Não mais uma pequena peça de uma engrenagem maior, mas pessoas capazes de decidir pelos rumos de sua próprias vidas, era o cenário almejado por todos durante o movimento social que ganhou as páginas dos principais jornais da chamada imprensa imigrante e panfletária: O Anarquista, A Plebe, La Fanfulla, só para citar alguns, e nomes como o de Edgar Leuenroth, jornalista e tipógrafo que fazia do seu percurso entre o Brás, onde morava, e a Mooca, lugar onde as coisas ‘ferviam’, seu campo de um ideário comum, o de um país melhor para se viver, a começar por São Paulo”, completa Elizabeth Florido.
“O que faz com que uma greve funcione é que os participantes sintam que aquele estado de coisas chegou ao limite. Uma das características importantes de 1917 é que, pela primeira vez, setores que não participavam desse tipo de movimento começaram a participar”, destaca o morador da Mooca e escritor Euclydes Barbulho, autor de oito livros, entre ele “Mooca – 450 anos. Passando pelo Túnel do Tempo”.
A greve de 1917 será o tema central do II Encontro Histórico-Cultural que acontece em agosto na Mooca, por ocasião do aniversário do bairro. O evento, organizado pela Associação Comercial de São Paulo – Distrital Mooca, em parceria com a Unicapital/Uniesp, será no Teatro Municipal Arthur Azevedo. (Kátia Leite)
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