Desde o início do século XX, o fabril bairro da Mooca registrou protestos da classe operária. No livro “Histórias da Mooca”, do jornalista e escritor Mino Carta, consta que em 1907, tecelões de lã da fábrica Penteado entraram em greve reivindicando a redução da jornada de trabalho e a proibição do emprego de menores de 14 anos. Dez anos depois e ainda longe do Brasil consolidar uma legislação trabalhista, a situação dos trabalhadores das grandes indústrias era ainda mais extenuante e injusta. Foi assim que, há exatos 100 anos, no dia 9 de junho de 1917, um sábado, cerca de 400 operários, em sua maioria mulheres, da fábrica têxtil Cotonifício Crespi paralisaram as atividades pedindo menos horas de trabalho, que aquela altura avançava para o período noturno, e aumento salarial de 15 a 20%, entre outras questões. Julgado como um ato corriqueiro de início, tanto que a imprensa da época não deu atenção imediata à greve no grande Cotonifício; o movimento ganhou adesão com o passar dos dias e acabou considerado o percursor da primeira Greve Geral do Brasil que eclodiu no mês seguinte.
Além da ausência de leis trabalhistas que impedissem o abuso por parte dos patrões, outros fatores históricos tiveram papel decisivo para a enorme reação operária de 1917. Com a primeira Grande Guerra (1914 – 1918) em andamento na Europa, o Brasil passou a exportar seus produtos manufaturados, ao mesmo tempo em que tinha dificuldade para importar maquinários para as fábricas aumentarem as produções. Assim, para não perder o momento e garantir os lucros, a alternativa foi fazer as máquinas funcionarem por mais tempo e os industriais passaram a exigir jornada estendida, de 16 horas por dia, incluindo sábados, sem aumento salarial. Em recente entrevista ao jornal BBC Brasil, o historiador italiano radicado no Brasil, Luigi Biondi, da Unifesp, conta que “em 1914, o Cotonifício Crespi lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho”.
Com os produtos nacionais sendo levados mundo afora, houve repentina subida dos preços no Brasil e forte perda do poder aquisitivo foi outro fator que revoltou principalmente as operárias que, já naquela época, controlavam os gastos da família. Historiadores citam ainda questões como assédio sexual de mulheres e atos de violência contra menores dentro das fábricas como propulsores coadjuvantes de protestos. Também em entrevista ao BBC Brasil, o historiador Claudio Batalha, da Unicamp, explica que, apesar de menos comentado nos livros de história, a revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi também estava relaciona ao abuso dos chamados contramestres e ressalta que greves anteriores já haviam começado por esse motivo. Em seu livro, Mino Carta expõe que “em 1917, meninos operários de uma fábrica na Mooca queixavam-se de espancamentos com inspetores do trabalho e exibiam ferimentos”. Não deixa claro em qual indústria ocorria, mas, o fato é que, naquele momento, sobravam motivos para o movimento grevista conquistar o apoio de outros trabalhadores, mesmo que por solidariedade. Na época também estavam amparados pela recém criada Liga Operária da Mooca (leia mais abaixo).
No fim de junho os demais funcionários do Cotonifício também resolveram cruzar os braços, chegando a cerca de 1.500 trabalhadores parados. Logo em seguida, teve início a greve na grande fábrica têxtil Ipiranga de, Nami Jafet, envolvendo mais de 1.600 operários que pediam aumentos em torno de 20% e, em caso de trabalho noturno, de 25%, segundo registro no Atlas Histórico da Fundação Getúlio Vargas. Nos dias posteriores começaram as paralisações nas fábricas de móveis, quase todas situadas no Brás, e no início de julho foi a vez da Cia. Antarctica Paulista entrar no protesto. Portanto, na primeira semana de julho de 1917, as duas fábricas mais importantes da Mooca, o Crespi e a Antarctica, estavam paradas.
A partir daí a greve se alastrou rapidamente, parou São Paulo e havia tentativas de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento que se instalou, além de ataques a carros de transportes do produto. A primeira medida para frear o movimento foi através da força, dando início aos embates entre grevistas e a polícia. Ocorreram mortes nesses confrontos e o protesto ganhou ainda mais fôlego em 11 de julho, quando uma multidão acompanhou o enterro do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos, morto com um tiro depois que a unidade de cavalaria da polícia dispersou manifestantes diante da Antarctica, segundo noticiou O Estado de S.Paulo na época. Em registros históricos, Martinez era apontado como um militante anarquista.
Em meio ao movimento, em 9 de julho, foi criado o Comitê de Defesa Proletária e curiosamente, também foi constituída uma comissão com diretores dos grandes jornais paulistas que funcionou como intermediária entre representantes empresariais e os grevistas, que a essa altura, além dos direitos trabalhistas, pediam também a libertação dos militantes e operários presos nas manifestações.
Somente na metade de julho, mais de um mês depois do início da greve no Cotonifício Crespi e com os industriais percebendo que a situação estava fora de controle, um acordo selou o fim da greve em São Paulo atendendo as principais reivindicações. Mesmo assim, algumas categorias ainda resolvem parar depois, como foi o caso dos pedreiros. Por não se tratar de uma lei, alguns patrões ainda resistiam em atender as normas do acordo. Enquanto isso, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul os movimentos operários continuaram. Segundo historiadores, não existe uma data certa para o fim da greve geral de 1917, pois assim como adesão foi acontecendo aos poucos, o ritmo de saída também foi gradual. A situação se normalizou apenas no fim de julho. Mesmo com o grande ato nacional, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi sancionada somente em 1943 no regime do presidente Getúlio Vargas. (Kátia Leite)
Leia também:
Análises sobre a grande paralisação de 1917
Grande tecelagem da Mooca na história