A manhã do domingo, dia 19, foi de manifestação pacífica na Mooca. Mais de mil pessoas, de acordo com os organizadores do ato “Parque na Mooca Já”, se uniram para pedir a preservação total do terreno de quase 100 mil m² na rua Barão de Monte Santo, confluência com as ruas Dianópolis e Francisco Cipullo. Área do bairro cercada por torres residenciais, fábricas, velhos galpões e tráfego intenso, principalmente de veículos pesados. De mãos dadas, formando uma corrente humana e simbolizando um abraço, os manifestantes deram uma volta completa no terreno e entoaram gritos contra a proposta de metade do espaço virar parque, conforme foi divulgado recentemente pela construtora São José, proprietária da área, e a Prefeitura.
A Mooca figura entre os bairros mais áridos de São Paulo. Por conta do excesso de concreto e escassez de áreas verdes, registra temperaturas, em média, três graus Celsius acima de outras regiões da cidade. “Não podemos nos contentar com migalhas, é a nossa qualidade de vida e o futuro dos nossos filhos e netos que está em jogo”, alertava do alto do carro de som, Aluízio Tonindandel do movimento M-10 e um dos organizadores do ato, que teve diversas associações e empresas locais no apoio.
Presente no ato de domingo, o vereador e ex-secretário municipal do Verde e Meio Ambiente, Gilberto Natalini (Partido Verde), destacou que a comunidade é soberana e o bairro da Mooca é um dos mais tradicionais de São Paulo e merece ser respeitado. “Fui procurado tempos atrás, por uma comissão com 21 mil assinaturas pedindo a preservação desse terreno. Não é um pedido fútil, é uma necessidade ambiental, de saúde e qualidade de vida da população”, destacou Natalini que é formado em Medicina. Ele lembra que a luta pelo Parque Augusta se estendeu por mais de 15 anos. “Também queriam dar 50% do terreno, como aqui. E o (João) Doria e o (Bruno) Covas não eram favoráveis ao parque de jeito nenhum, mas a pressão popular foi mais forte. É possível lutarmos para o mesmo acontecer aqui na Mooca, a Prefeitura tem instrumentos legais para negociar com a construtora, através da troca de potencial construtivo para outra região da cidade, não precisa comprar a área””, explicou o vereador. “Vai depender da vontade do prefeito atender a Mooca”, concluiu.
Após receber o abaixo-assinado com mais de 21 mil adesões, Natalini apresentou o Projeto de Lei 32/2018 que cria o Parque Municipal da Mooca e atualmente tramita na Câmara. A proposta teve co-autoria de mais seis vereadores: Edir Sales (PSD), Claudio Fonseca (PPS), Rinaldi Digilio (PRB), Sandra Tadeu (DEM), Ricardo Teixeira (DEM) e Gilson Barreto (PSDB). “O projeto já passou por unanimidade na Comissão de Justiça da Câmara, que é uma das mais difíceis, e essa adesão de vereadores de diversos partidos vai ajudar na votação quando for para o plenário. Não é um movimento político. É uma causa justa”, ressaltou Edir Sales que também marcou presença no ato do último domingo e participou da caminhada ao lado de Natalini.
Além dos vereadores e da grande adesão popular, o ato contou com a presença de diversas lideranças locais, entre elas, o ex-subprefeito da Mooca e da Sé, Eduardo Odloak (PSDB), que há anos defende a preservação da área alegando que se tornaria o “pulmão verde” da região. Outro entusiasta da ideia é o fundador do grupo ambiental e de sustentabilidade “Muda Mooca”, o advogado Danilo Bifone. O grupo plantou uma muda de árvore em frente ao terreno. A manifestação também contou com a presença dos grupos de escoteiros Parecis, da Mooca, e Roamã, do Ipiranga.
Luta de quase duas décadas
O terreno que hoje é a esperança para melhorar a qualidade da Mooca e arredores, foi fonte de muito temor para a comunidade no passado. Entre 1945 e 2001, abrigou uma distribuidora de combustíveis da Esso, subsidiária da empresa norte-americana ExxonMobil Corporation. Quando a empresa decidiu encerrar as atividades no local, como parte dos procedimentos para desativação, ocorreu a avaliação ambiental que constatou contaminação do solo e das águas subterrâneas por combustíveis e metais, entre outros contaminantes.
A Folha acompanhou a apreensão da vizinhança na época com a suspeita de que poderiam ter a saúde afetada. “Por conta desse enorme problema ambiental que causou na Mooca, a própria empresa já deveria ter doado o terreno como forma de compensação”, alega o presidente da Folha e do Círculo de Trabalhadores de Vila Prudente, Newton Zadra, que há 16 anos idealizou a criação desse grande Parque na Mooca. “Apesar dos grupos que sempre são do contra, mesmo em causas tão sérias, o jornal havia acabado de sair vitorioso da luta pelo parque na Vila Prudente, que nasceu na redação e hoje é uma realidade”, lembra Zadra. Matéria de dezembro de 2003 desta Folha destacou que a Esso nunca foi multada pelo problema ambiental que causou, porque na época não existia uma legislação ambiental para crimes desta espécie, tampouco órgãos competentes para fiscalizar as práticas das empresas nesse setor.
A remediação do terreno é monitorada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), através do um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmando no Ministério Público em junho de 2003. “Foi uma contaminação grave e lembro que nos reunimos diversas vezes com os técnicos da Cetesb para acompanharmos a situação. Com muito esforço, conseguimos trazê-los para uma audiência pública no Círculo, para que a população tomasse conhecimento da situação”, comenta o deputado e ex-secretário municipal do Verde e Meio Ambiente e geólogo Adriano Diogo (PT).
A batalha pelo parque também está na Câmara Municipal há pelo menos 13 anos e uma série de parlamentares já se comprometeram com a causa. Começou com o Projeto de Lei 637/06 do então vereador Domingos Dissei (na época PFL) de criação do parque e no ano seguinte, pediu o direito de preempção da área, que expirou cinco anos depois. A vereadora Juliana Cardoso também é autora de outro Projeto de Lei 101/2014 que pede a criação do parque na Mooca e chegou a ser aprovado ainda em 2014 em primeira votação. Há quatro anos, durante os debates na Câmara para revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) a vereadora indicou o terreno para ser classificado 100% como Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM). “Mas, infelizmente houve muita resistência de algumas bancadas, não conseguimos chegar ao acordo e apenas cerca de 40% da área foi definida como ZEPAM”, destaca. A assessoria da vereadora destaca que pelo Plano Diretor anterior, 30% tinha que ser preservado com vegetação.
Além do novo Plano Diretor Estratégico do município, aprovado em 31 de julho de 2014, que determina a obrigatoriedade de 40% da área para o verde; o Projeto de Lei 723/2015 do Executivo, chamado de Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí, também prevê a criação de um parque linear na rua Dianópolis, em parte do terreno, adquirido pela construtora São José. O vasto documento divulgado pela Prefeitura na ocasião das audiências públicas ressalta que “além das funções de recreação, tem papel na contenção das águas da chuva”, No entanto, no material também estão previstas torres ao longo da área verde, separadas do parque proposto por uma rua que seria aberta no terreno. A Folha cobriu todas as audiências públicas ocorridas na região e nas ocasiões, sempre foram registradas manifestações contrárias a ideia de apenas parte do terreno abrigar o parque. O projeto da Operação Urbana foi encaminhado à Câmara em 2016 e conforme o jornal apurou, atualmente está na Comissão de Política Urbana. Os vereadores que apoiam a causa podem tentar alterar o projeto de lei da Operação Urbana.
A Folha está solicitando posicionamentos da Prefeitura e da construtora São José sobre o destino da área e se tiveram conhecimento do ato promovido no último domingo. (Kátia Leite)