A primeira imagem é do chão de terra e um garoto descalço com uma bola surrada debaixo do braço. Rapidamente a terra é coberta de grama, o pequeno jogador já tem uniforme completo, o campinho ganha arquibancadas lotadas e o menino marca o gol da vitória do Brasil na final da Copa.
Conhecedores de futebol que somos e acostumados à linguagem fantasiosa da publicidade, sabemos que aquilo é impossível em 30 segundos ou mesmo no intervalo de quatro anos que separa uma Copa da outra. Quando se trata de propaganda eleitoral, não temos a mesma facilidade para fazer a distinção entre o realista e o irrealizável.
O candidato Fernando Haddad prometeu, com efeitos fantásticos de computação, construir um Arco do Futuro que serviria para “reduzir as desigualdades regionais, aproximando casa e trabalho”. “Vamos repetir, de maneira ainda mais rápida e ordenada, o que está acontecendo na Marginal Pinheiros”, dizia Haddad, e a Marginal Tietê viria a ser “uma área linda, moderna e vibrante”. Surgiam prédios “lindos e modernos” se erguendo como mágica.
Para que tamanha transformação acontecesse ao longo da quilométrica Marginal Tietê e as demais avenidas, precisaria haver mudanças na legislação, como as regras de uso e ocupação do solo. As obras executadas pela Prefeitura dependeriam de aporte enorme de recursos. Desapropriações exigem uma sequência de procedimentos que, por mais ágil que fosse a administração pública, tomam tempo, assim como a elaboração de projetos de engenharia e arquitetônicos e a abertura e conclusão de processos de concorrência.
Por mais atraentes que fossem os benefícios oferecidos pela Prefeitura, como incentivos fiscais, não há garantia de que haveria interessados na parte reservada à iniciativa privada. Enquanto isso, a mera expectativa de criação do Arco provocaria aumento do custo do m² em toda sua extensão e dificilmente as pessoas de baixa renda conseguiriam morar perto dele, como já vem acontecendo em Itaquera, valorizada pelo estádio. Ou seja, o Arco seria mais um fator de distanciamento do que indutor do desenvolvimento com redução das desigualdades.
Haddad tem revelado, até aqui, estarrecedor desconhecimento do funcionamento da máquina pública – quem já passou por uma subprefeitura, como eu, sabe como a burocracia e estruturas obsoletas na Prefeitura podem levar à loucura – e do estado das finanças municipais. Surpreendeu-se com o volume de recursos já comprometidos a cada ano, inclusive com a indecente dívida com a União, e chegou a declarar que pensou que podia usar recursos do PAC no Arco (depois descobriu que não).
Ungido como “o novo”, Haddad revela o quanto o tamanho do desafio e responsabilidade de ser prefeito de São Paulo é novidade para ele. Devia ter estudado mais o que o aguardava.
Soninha Francine foi vereadora, subprefeita da Lapa e candidata à prefeitura de São Paulo.