Uma das grandes lembranças que eu trago da minha infância é a do Cemitério da Quarta Parada. Eu ia com a minha mãe, pelo menos uma vez ao mês, visitar o túmulo da mãe dela, mãe que ela não conhecera, pois tinha dois anos quando a perdera. Eram os anos da década de 1960.
Ir ao cemitério da Quarta Parada era um passeio fantástico pela arquitetura, com muitos túmulos em formato de pequenas capelas, as quais muitas delas sempre com as mesmas pessoas que as abriam para limpá-las e trocar as toalhinhas que ficavam num improvisado altar. Muitos colocavam também os banquinhos ali guardados para fora, em frente aos seus túmulos e conversavam sobre os mais variados assuntos com outros frequentadores habituais, naturalmente, aqueles que ali tinham parentes enterrados.
O cemitério era um lugar encantador, vivo, cheio de histórias da vida das pessoas ali enterradas, de milagres, sonhos, missões, encantos e desencantos. A vida pulsava ali.
Passar pelos túmulos, ler os nomes, as datas de nascimento e morte, estimulava o fértil terreno da minha imaginação. Quem foram aquelas pessoas? O que fizeram de excepcional? Sim, excepcional. Tinham vivido, mesmo que fossem crianças, tinham uma história para contar. Suas fotografias expostas, sempre em tonalidades da cor marrom, pareciam antigas, distantes e tão próximas.
Mas, com o passar do tempo, o passeio começou a ficar raro, pois o cemitério da Quarta Parada foi mudando, ficando esquecido, abandonado à própria sorte, tomado por desocupados. Passei a frequenta-lo apenas por ocasião do falecimento de algum parente ou amigo, e em datas comemorativas como o dia dos pais, das mães e finados, por questão de segurança, já que nestas datas aumentam a circulação das pessoas que tem parentes ali enterrados.
Atualmente alguns cemitérios particulares da grande São Paulo tem seguido os caminhos dos cemitérios do exterior, sendo transformados em espaços de lazer, cultura e arte, verdadeiros museus a céu aberto pelas obras possuem. Assistência as famílias enlutadas, espaço kids, visitas monitoradas, cinema, teatro e outros eventos, mostram um cemitério diferente, mais humanizado, menos sombrio. A grande esperança é que o cemitério da Quarta Parada volte a ser o que foi um dia, um espaço cheio de vida, de encontros e encantamentos, que por meio da morte mostrava o valor da vida.
* Márcia Regina Banov é professora universitária, palestrante, pesquisadora de cemitérios e autora do livro de contos “O cemitério e os seus mistérios”. Site: www.marciabanov.com.br.