Há tantas divergências e controvérsias sobre as questões relacionadas à proteção de bens culturais, de nosso patrimônio histórico e cultural na cidade de São Paulo, que fica a dúvida se, de fato, vale a pena brigar por uma causa que parece voto vencido, quando se busca preservar um pouco do que restou da nossa história. Na tentativa de buscar alternativas que requalifiquem esse ou aquele espaço, de forma a manter suas características, mas dando a ele um novo uso, o que predomina é uma outra lógica, a da ocupação desordenada que o mercado imobiliário impõe e os órgãos de preservação e de planejamento urbano admitem. Há critérios, sim, pois os técnicos são competentes, sem dúvida alguma. Porém, ainda prevalece uma visão mercadológica sobre a cidade. A nossa cidade.Os exemplos aqui no bairro da Mooca são diversos. Outro dia, um amigo perguntou-me se eu podia imaginar o que teria acontecido com um marco em homenagem a Eduardo Pacheco Chaves, que pelo que se sabe, deveria estar na área antes utilizada pelo Jockey Club, conhecida como prado ou Hipódromo da Mooca. No local, hoje utilizado pela Subprefeitura e outros equipamentos públicos da região, o marco não deixou nem vestígio de sua existência, assim como o portal de entrada, totalmente demolido. Essa foi a resposta.
Mas a questão se divide em várias outras: será que devemos registrar para a posteridade alguma passagem significativa na história daquele núcleo urbano, aonde pessoas teceram sua própria história e deram sentido e valor a esse ou aquele lugar? Como devemos lidar com os remanescentes históricos, no caso da Mooca, vestígios deixados por um período que parece não ter encerrado muito bem o seu ciclo por aqui? O que fazer quando se tem um acervo inteirinho compondo a paisagem do bairro, à margem da linha férrea, ao longo da Borges de Figueiredo, e nada é feito, efetivamente, para não descaracterizar o local? Apenas a troca de nomes dos programas, planos e operações, a cada novo governo que assume. E o que fazer para que as pessoas se interessem pelo tema, dado o grau de aculturação que tomou conta de todos? Por que tanta gente competente dentro e fora dos órgãos de preservação e seus correlatos não conseguiram, até hoje, encontrarem soluções que levem em conta todo o emaranhado de relações sociais e espaciais que existem no território urbano?
As respostas podem ser tantas, quantas são as perguntas que se faz. Interessante registrar que, enquanto perdemos, gradativamente, o recorte histórico do bairro, e Moinho, Labor, Antarctica talvez digam adeus, logo mais, passam batido por aqui, lugares que não parecem dialogar com a sociedade local, como o nosso Museu da Imigração, reaberto depois de anos fechado, e mesmo repaginado, parece não repercutir ao seu redor. Ao seu lado, um acervo inestimável vai deteriorando a céu aberto, de remanescentes do antigo ramal da São Paulo Railway, que conta mais com a boa vontade de seus abnegados funcionários, do que com os parcos recursos a eles destinados.
Tenho uma visão feliz de cidade, guardada aqui comigo, e da querida Mooca também. Mas enquanto o deslumbre global nos acerta em cheio, e coloca nas paradas de sucesso a segunda maior favela de São Paulo, tentamos por aqui recolher fragmentos da Mooca nostra e entender a nossa própria trajetória. Encerro com uma frase de autor desconhecido para refletirmos um pouco: “Preservar a memória não é guardar as cinzas, e sim passar adiante a chama”. Te amo, Mooca!
* Elizabeth Florido é jornalista e moradora da região.