Desde novembro, a Praça da Independência em Kyiv (Kiev), capital da Ucrânia, se transformou em símbolo da luta de um povo, de uma nação. Tudo por conta da decisão do então presidente Viktor Yanukovitch que desistiu de assinar um acordo comercial e de associação política com a União Européia que vinha sendo negociado há onze anos. Ao contrário do que se esperava, o presidente acertou relações comerciais mais estreitas com a Rússia. Essa decisão levou milhares de ucranianos às ruas de Kyiv e de outras cidades, especialmente as do oeste, mais pró-Europa, como Lviv e Ivano-Frankisvski.
Os manifestantes, liderados por grupos políticos de oposição, transformaram a Praça da Independência no reduto das reivindicações. A praça, originalmente denominada Nezalejnosty Maidan, ficou conhecida como Euromaidan e passou a abrigar os manifestantes, dia e noite, sete dias por semana. Montaram barracas. Montaram um palco, que serviu para discursos inflamados, palavras de ordem, apresentações de grupos musicais, presença de religiosos fazendo orações, de oposicionistas de diversas correntes cantando o hino nacional.
A internet se mostrou enorme aliada. Pelas redes sociais os manifestantes se organizavam, promoviam as passeatas e trocavam informações. Mesmo com temperaturas beirando os -20ºC a multidão aumentava. Ninguém cogitava se afastar da praça. Vieram os voluntários com sopas quentes, pratos de comida, água. Manifestantes usaram uma árvore de Natal como painel para exibir imagens, avisos. O mundo inteiro festejava a chegada de 2014 com muita alegria. No ano novo em Kyiv, milhares de pessoas cantaram, em uma só voz, o hino nacional ucraniano.
A tensão aumentava. A polícia, que até então se mantinha como observadora, passou a atuar de forma repressora. Graças a decretos impostos pelo presidente autorizando a prender manifestantes e agir com violência. São registradas as primeiras mortes entre os manifestantes. Em fevereiro a polícia se torna mais truculenta. Os números dão conta de 75 mortos em dois dias. Ainda em números não oficiais, a cifra sobe para mais de uma centena de mortos.
A internet, mais uma vez, se exibe como aliada imparcial: câmeras ao vivo e online, 24 horas, voltadas para a Euromaidan, mostram, para o mundo inteiro, o que e como tudo acontece. Registram os atiradores de elite em nome do então presidente protegidos pela polícia muito bem armada. Registram os manifestantes se defendendo com escudos de lata e barricadas feitas com sacos de neve congelada e pneus. O mundo assiste e ucranianos de várias partes do mundo mostram apoio à Pátria.
Os manifestantes não recuam. Yanukovitch recebe os manifestantes e promete acordo visando atender as reivindicações do povo. Ao invés disto, foge. O primeiro-ministro renuncia. Se rompe a barreira entre poder e povo. Os manifestantes tomam prédios públicos. Não recuam. O parlamento, em decisão inédita, seguindo a Constituição, destitui, em 22 de fevereiro, por unanimidade, o presidente Viktor Yanukovitch. É uma vitória do povo.
A Praça Maidanhoje exibe um mar de flores em homenagem aos tantos jovens mortos por lutarem por uma Ucrânia íntegra, independente, soberana e democrática, capaz de gerir seus próprios passos. O futuro? Virá a ajuda necessária? De quem? Só o tempo dirá. Uma batalha foi ganha. Mas ainda há muitas outras batalhas a serem travadas. Como diz o título do hino nacional: “A Ucrânia ainda não morreu”.
* Olga Samila, jornalista, é integrante da comunidade ucraniana em São Paulo.